Entre pequenas referências e erros graves sobre o concurso, o Eurovision Song Contest: The Story of Fire Saga mostrou que o Festival Eurovisão é mais do que um mero concurso de canções entre países: é um bocadinho de todos nós.
Remonta a 2018 o anúncio de um filme baseado no Festival Eurovisão: o ator, produtor e comediante norte-americano Will Ferrell marcou presença nas imediações do concurso eurovisivo em Lisboa e foi dado o mote para o filme Eurovision Song Contest: The Story of Fire Saga. Longe de ser um dos meus atores de eleição, mas isto são outros quinhentos, aguardei com alguma expectativa a estreia do filme BASEADO (e não sobre) o Festival Eurovisão... mas vamos por partes e evitando dar spoilers a quem não deu assistiu ao filme.
O filme começa na Islândia na data de 6 de abril de 1974, data em que os ABBA triunfaram no Festival Eurovisão, passando rapidamente para os dias atuais. E eis a primeira ironia do destino: o facto da Islândia nunca ter vencido o Festival Eurovisão é um dos temas do filme... algo que poderia ter ficado desatualizado caso o concurso de 2020 tivesse tido lugar.
O desenrolar da história do filme na primeira metade é demorado e o interesse tende a diminuir, algo que muda aquando da segunda parte da história. E se o elenco (de luxo!) do filme é um ponto extremamente positivo, fez-me alguma espécie ter visto Will Ferrell (52 anos) e Pierce Brosnan (67 anos) como filho e pai... mas nada que não aconteça no mundo real.
Como era também esperado com base nos excertos revelados no trailer, o Söngvakeppnin foi o método de seleção da Islândia para o Festival Eurovisão, algo que tem acontecido quase sempre na história real. Tivemos então oportunidade de assistir a várias atuações, que me fizeram recordar a participação de Rein Alexander no MGP2020 e dos Naviband no ESC2017. O desleixo demonstrado pela organização no concurso é percebido no contexto do filme, mas sabemos que é extremamente difícil de acontecer na realidade. A atuação de Demi Lovato como Katiana é uma das mais bem conseguidas do filme... mas o desfecho da artista criou-me mixed fellings: não podemos rir, mas não conseguimos evitar.
A história avança e chegamos a Edimburgo, cidade anfitriã do Festival Eurovisão, e os "lapsos eurovisivos" continuam. Jamais os artistas chegam sozinhos à cidade sem qualquer delegação e o hotel em que ficam hospedados ficam a anos-luz daqueles que são reservados pelas EBU/UER para o concurso... mas nada que faça grande comichão. E começa um dos momentos mais especiais para Portugal: a dupla chega à cidade ao som de "Amar Pelos Dois", que é tocado quase na totalidade, culminando com a chegada dos protagonistas junto a Salvador Sobral, vencedor do concurso de 2017, que toca para um pequeno aglomerado nas ruas da cidade. O trabalho de imagem é um dos pontos forte do filme, mostrando imagens arrepiantes de Edimburgo (e também da Islândia), o que faz com que a cena de Salvador Sobral falasse por si!
Jon Ola Sand é também retratado no filme (pena não ter sido o próprio a marcar presença no filme) e começam os ensaios do Festival Eurovisão de uma forma bastante soft quando comparados com os ensaios reais que vemos no concurso. A drama continua a desenrolar-se e temos então uma festa dada pelo artista russo Alexander Lemtov (que me pareceu inspirado em Sergey Lazarev), fazendo recordar algumas das inúmeras festas eurovisivas que têm lugar na cidade anfitriã do evento.
Feita a piada ao Reino Unido, "ninguém gosta deles (...) 0 pontos", temos um dos melhores momentos do filme. Loreen, John Lundvik, Alexander Rybak, Conchita Wurst, Netta Barzilai, Jamala, Anna Odobescu, Elina Nechayeva, Jessy Matador e Bilal Hassani juntam-se aos protagonistas do filme ao som de várias canções, onde tivemos a presença de dois temas eurovisivos: "Waterloo" e "Ne partez pas sans moi". Para os fãs eurovisivos, foi a melhor cena do filme!
E eis chegado ao concurso propriamente dito, com atuações que fizeram em muito lembrar uma edição real, e aquele que foi um desenrolar de lapsos sobre o mesmo: ensaio individual no dia antes da semifinal, votação ao vivo na semifinal, atuações com 7 pessoas em palco, Espanha e Itália a concurso na semifinal, Portugal está na green room mas não está na tabela de votação (seremos um dos Big5 do concurso??)... Mas o mais chocante foi o gráfico de votação: países repetidos na tabela ou a Letónia e os Países Baixos estavam a concurso com duas canções? Acho que o erro apenas terá sido reparado pelos eurofãs... mas eram tão facilmente evitáveis! O ponto mais negativo do filme... sem dúvida!
O dinheiro gasto numa possível organização do concurso volta a ser o tema principal do filme depois de viagens à velocidade da luz entre Edimburgo e a Islândia, numa altura em que o desenrolar das cenas mostra o desconhecimento dos americanos para com o Festival Eurovisão, "É como o The Voice", e as inúmeras polémicas da comunidade LGBTI na Rússia.
E sem querer entrar em spoiler sobre o filme, temos então um dos momentos mais marcantes da história: a interpretação de "Husavik". Uma canção lindíssima, arrepiante e marcante, que poderá ser o pontapé de partida para a chegada de Molly Sandén ao Festival Eurovisão em 2021. Sem dúvida que, caso o concurso fosse real, a canção seria uma das minhas favoritas.
Em jeito de rescaldo, sejamos sinceros: desde o início que tínhamos medo que o filme, apesar de não ser sobre o Festival Eurovisão mas sim baseado, pudesse virar num gozo sobre o evento. Mas tal não aconteceu... pelo contrário: "O Festival Eurovisão é tudo para mim. É a minha vida (...) A Eurovisão não é apenas uma competição. E a música não é um concurso. E a canção perfeita não é a canção que ganha mas é a mais pura" é um exemplo claro daquile que a maioria dos eurofãs sente pelo Festival Eurovisão. Porque o concurso é mais que um concurso... é parte de todos nós eurofãs!
Não é um filme para ser nomeado para os Oscars nem uma homenagem habitual ao Festival Eurovisão, mas é uma prova que o concurso é muito mais do que um desfile de canções. É o amor dos eurofãs, é a ambição de realizar todos os sonhos, é o espaço de união de milhões de pessoas... é tudo aquilo que cada um de nós quiser! E num ano em que fomos impossibilitados de viver o Festival Eurovisão na sua plenitude, o Eurovision Song Contest: The Story of Fire Saga serviu para nos consolar.
Texto de Opinião de Nuno Carrilho
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