Elvas ficará na história do Festival da Canção como a cidade que escolheu a canção... que não competirá no Festival Eurovisão. Mas a noite do Festival em território alentejano foi recheada de muita alegria... mas não de tristezas.
É uma tradição de alguns anos escrever, passado duas semanas (o tempo recomendado para recuperar de uma pré-temporada arrasadora), a minha opinião sobre o Festival da Canção. Contudo, habituado a escrever sobre o facto das minhas favoritas nunca ganharem, jamais esperei escrever a minha opinião sobre a canção vencedora do Festival da Canção... que não irá ao Festival Eurovisão. É triste, mas há que destacar a atitude louvável e corajosa da EBU/UER em colocar a saúde pública à frente de tudo o resto!
Agora tristezas recolhidas, voltemos à noite de 7 de março, altura em que a pandemia do novo coronavírus estava longe mas que assolava, na mesma noite, alguns dos festivais que decorriam na Europa. Para um alentejano orgulhoso, ter o Festival da Canção de regresso à região e, especialmente, ao seu distrito (aquele que, na maioria das vezes, é esquecido por todos), foi um marco na sua vida festivaleira. E o povo alentejano mostrou que, apesar da fama de serem lentos e preguiçosos, são o melhor povo para acolher os forasteiros.
Elvas, a conhecida cidade-fortaleza portuguesa, foi por esses dias o epicentro de todas as atenções eurovisivas em Portugal. O Coliseu Comendador Rondão Almeida, a maior sala de espetáculos abaixo do Tejo, engalanou-se com (arrisco a dizer) O melhor palco que tenho memória no Festival da Canção, juntando, por baixo do mesmo teto, eurofãs portugueses e espanhóis que, com Badajoz à vista, rumaram a Portugal para assistir ao concurso (e desta vez não foi preciso chamar as padeiras...).
E, antes de falar sobre a abertura do Festival da Canção 2020, há que recordar aquilo que escrevi no ano passado: "Lembram-se da abertura do Festival da Canção do ano passado? Pois, nem eu... Mas se repetirmos a pergunta no próximo ano, a resposta será completamente diferente.". A fasquia estava elevadíssima e a abertura deste ano conseguiu ser uma jus sucessora: com presença de um dos símbolos maiores da cultura de Elvas, as roncas, e com memórias da história da RTP, Vasco Palmeirim, Filomena Cautela e Inês Lopes Gonçalves conseguiram prender as atenções de todos com vários momentos de humor. Porque não apostar neste modelo nas semifinais também?
Após o terminus da abertura, um pouco maior do habitual e que pareceu um segundo pré-programa, estavam então abertas as portas para a Grande Final do Festival da Canção 2020. Mas antes, ainda houve tempo para mais alguns momentos de humor dos dois apresentadores que mostraram estar na sua praia. Aproveitando também o hiato, há que destacar os postcards da edição deste ano: claramente inspirados nos do Festival Eurovisão 2018, os cartões-postais foram corrigidos para com os do ano passado e souberam mostrar algumas das coisas que todo o Alentejo tem para oferecer (... e que foi esquecido em 2018).
Com uma das minhas canções favoritas do ano, o irreverente Filipe Sambado surpreendeu tudo e todos no Festival da Canção 2020... até ao fim. A atuação foi melhorada desde a semifinal e sinto que o cantor esteve mais seguro no desempenho em Elvas, o que deu mais força à canção. Contudo, o problema que destaquei na semifinal: a atuação tenta passar uma mensagem... que não é facilmente percebida, o que poderia ser uma desvantagem caso fosse a escolhida para Roterdão. Contudo, acredito que poderia ser uma das nossas melhores propostas. No que diz respeito à votação, admito que fiquei surpreendido (palavra que pode ser insuficiente para descrever o que senti no momento) com a votação dos jurados e com a do público, visto que estava à espera... do contrário. No entanto, volvido esse tempo, percebo a votação e não acho injusta a sua presença no pódio do concurso.
Depois de ter sido um dos melhores momentos das semifinais do evento, a atuação de Jimmy P foi a que mais força perdeu com a mudança para o palco do Coliseu. No entanto, acredito que "Abensonhado" foi a melhor vitória da edição deste ano: um artista com uma carreira consolidada, uma canção que dá nome ao seu mais recente trabalho e de um género completamente diferente daquilo que estamos habituados a ver no Festival da Canção. Pessoalmente, teria colocado mas acima na votação, apesar de ter algumas reservas se resultaria em Roterdão. Uma das melhores propostas do concurso deste ano! É caso para dizer: abensonhado sejas, Jimmy P.
Com apenas 17 anos, Tomás Luzia precisou de uns curtos três minutos para mostrar todo o seu talento, depois de uma interpretação um tanto aquém na semifinal. Descontraído e seguro, Tomás foi dos candidatos que mais soube jogar com as câmaras, o que resultou no que já esperava: uma grande votação do público. Relativamente a "Mais Real Que O Amor", por mais críticas que tenha lido (a maioria sem grande utilidade...), atrevo-me a dizer que foi a canção que muitos telespectadores disseram "Esta é uma canção de Festival" e que deixou outros tantos a trautear o refrão. Num concurso que defende a diversidade, acho que este tipo de canções também têm espaço.
"Não Voltes Mais" foi claramente a canção que mais cresceu com a atuação ao vivo: depois de ter sido uma das surpresas da semifinal, Elisa conseguiu fazer crescer ainda mais a canção no palco da Grande Final. Bastante mais "solta" do que na semifinal, apesar de serem notórios alguns nervos, Elisa Rodrigues teve outra das grandes atuações da noite. Infelizmente, como em qualquer concurso, alguma delas teria de ficar em último... e a fava calhou a Elisa. Agora é esperar que a cantora não faça jus ao tema da canção e que volte nos próximos anos.
Depois de uma passagem pela green room, seguiu-se uma das surpresas da edição: "Movimento" trouxe o que prometia e o que tanta falta fazia ao Festival da Canção, movimento! Apesar da atuação ter sido melhorada desde a semifinal, sinto que a introdução de tantos efeitos visuais na prestação tenha prejudicado o grupo na votação do público. Contudo, conforme comprovam os aplausos durante toda a prestação, os Throes + The Shine trouxeram aquele movimento que tanta falta fazia no Festival da Canção. Que venham mais "Movimentos"!
Eis chegado o meu guilty pleasure da edição. É impossível não ficar a trautear "Diz só, quem falou diz só" depois da interpretação de Kady... e já para não falar dos gestos das backing singers. Apesar de não ter ficado convencido com a mudança dos figurinos, Kady teve uma poderosa interpretação de "Diz Só", uma das canções mais inteligentes da edição, tendo mantido uma atitude em palco coerente com a mensagem da canção. Outra das grandes prestações da noite e que não me teria chocado caso viesse a triunfar!
Ao fim de uma década de Festivais ao vivo, pela primeira vez, ganhou a minha canção favorita (e cancelam a Eurovisão...)! Depois de uma atuação um tanto frouxa na semifinal, especialmente por ter sido apontada como "marcante e arrebatadora", Elisa fez a maior transformação do ano, mudando não só a atuação mas também a própria interpretação, com Marta Carvalho a ganhar um lugar de destaque em palco. E eis que finalmente tivemos a atuação marcante e arrebatadora prometida e que "Medo de Sentir" merecia e precisava. Se foi perfeita? Não, mas até Roterdão haveria a oportunidade a melhorar, mas sobre Roterdão falo no fim do artigo... Uma vitória justa e uma digna representante de Portugal no Festival Eurovisão 2020.
Favorita à vitória do concurso, "Passe-Partout" era, claramente, a nossa aposta mais segura para o Festival Eurovisão. Contudo, se na semifinal fiquei surpreendido com a atuação de Bárbara Tinoco, na Grande Final algo não me convenceu... A mudança no figurino não resultou e a canção perdeu algum do seu potencial com a atuação da cantora que parecia não estar nos seus melhores dias. Outra das grandes canções da edição deste ano e que espero que, pela voz da Bárbara ou do Tiago, "Passe-Partout" tenha vida para além do Festival!
Seguiram-se as habituais ligações à green room e o primeiro intervalo na transmissão, com a segunda parte do programa a ficar reservada a momentos musicais que recordaram os 40 anos do boom do rock português. Com um naipe de cantores que passaram pelo Festival da Canção nos últimos anos, os dois momentos musicais tiveram o muito bom... e o menos bom. Apesar de denotar a qualidade dos arranjos e da interpretação dos temas, que fugiram à temática Festival usada frequentemente, sinto que a maioria das canções foram demasiado monótonas para uma transmissão televisiva. Mas que bom que foi ver a Lena d'Água de volta ao palco do Festival.
O grande momento da edição estava reservado para depois dos convidados especiais, com os oito finalistas a interpretarem um medley das canções da Final do Festival da Canção 2020. Muito muito bom! Por sua vez, a recriação do Joker ficou aquém da recriação do Alta Pressão que vimos na edição de 2019... mas nem tudo poderia correr bem. O que também não me conseguiu convencer foi a atuação acústica de Conan Osíris com "Telemóveis"... mas isto são contas de outro baralho. Nos derradeiros momentos antes da votação, a dupla de apresentadores recordou alguns dos momentos da história do Festival Eurovisão bem como algumas referências a finais nacionais que decorriam no próprio dia. Caso para dizer: quem te viu e quem te vê, Festival!
O facto de não haver uma favorita clara à vitória fez-me preparar para todos os cenários possíveis... menos para o que aconteceu, com "Gerbera Amarela do Sul" a arrecadar a pontuação máxima da maioria dos jurados e canções como "Medo de Sentir" e "Passe-Partout" a figurarem na cauda da votação de outros tantos! Há votações assim... e jurados que querem tirar o voto ao público (ou ao povão, como escreveram): será que ainda pensam que estamos no outro tempo? Com o coração a palpitar, o televoto baralhou ainda mais as contas e acabou por resultar num feito inédito em décadas de Festival: nunca nenhuma canção havia ganho sem a pontuação máxima do júri ou do público.
Estava então escolhida a canção de Portugal no Festival Eurovisão de 2020. Contudo, a viagem de "Medo de Sentir" ficou barrada na fronteira do Caia (os alentejanos vão perceber) com o cancelamento do Festival Eurovisão devido à pandemia do coronavírus que assola a Europa e o Mundo. Tristezas e mágoas à parte, há que enaltecer a corajosa atitude da EBU/UER em colocar a segurança e a saúde de todos os milhares de intervenientes à frente de uma história de mais de seis décadas de concurso! Bravo!
A questão agora não é qual será o resultado de "Medo de Sentir" em Roterdão, mas sim como será a escolha de Portugal para o concurso de 2021. Com a canção proibida de participar na edição do próximo ano, será Elisa escolhida internamente pela RTP para o concurso do próximo ano? Ou dará voz a todos os temas do Festival da Canção de 2021 como aconteceu em 1976 e em 2003 com Carlos do Carmo e Rita Guerra, respetivamente? Ou teremos um Festival da Canção "normal" e a escolha de novos representantes? Nenhuma das opções é unânime e teremos de esperar para ver qual será a decisão. Mas esperemos em casa, para bem de todos!
Fonte: OPINIÂO /Imagem: Pedro Pina | RTP / Vídeo: RTP
Infelizmente, com a crise económica que se avizinha, acho que vai haver muitas desistências. Roterdão pode vir a receber o ESc com menos países concorrentes da última década. Isto se houver ESC 2021, porque os especialistas esperam um segundo surto do coronavírus para o próximo Inverno.
ResponderEliminarTambém acho . Com a crise que aí vem . Duvido muito que alguns países participem . E como sempre Portugal será dos pais mais prejudicados na crise . Mas não ouvi falar nisso do próximo ano
EliminarMesmo que haja um novo surto de coronavírus no próximo Inverno, até lá já deverá haver uma vacina disponível (neste momento será o alvo de muitas farmacêuticas…).
EliminarÉ que não havia outra solução. Também não se perde nada porque as músicas a concurso era cada uma melhor que a outra. Como vamos ter mais de um ano pela frente pode ser que se dignem de elaborar umas músicas mais decentes.
ResponderEliminarAcho que a RTP já deveria saber, em Elvas, que o vencedor dessa noite não iria a Roterdao, caso contrário teria feito para que o Sambado vencesse.
ResponderEliminarGostei de ler o artigo de opinião do Nuno Carrilho. Também fiquei contente com a vitória da Elisa embora tivesse preferência por "Passe-partout" (dado considerar que teria mais hipóteses em Roterdão 2020). Relativamente à Final do FdC 2020, enquanto espectáculo, considero um exagero mais de 3h de evento televisionado para apenas 8 canções finalistas (o ESC tem essa duração mas estamos a falar de 25-26 finalistas!)… acaba por redundar numa perda de interesse com tanto "enchimento de chouriços". Mas, enfim, é somente a minha opinião…
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